Entendendo a Internação Psiquiátrica Involuntária: Guia para Famílias

Atenção: todo o conteúdo deste blog é apenas informativo; não substitui consulta médica, opinião de especialista, nem fontes científicas.

Quando um ente querido enfrenta uma crise grave de saúde mental, famílias muitas vezes se vêem diante da difícil decisão de buscar ajuda especializada. Este guia explica como funciona esse processo no sistema público de saúde, passo a passo.

A atual legislação estabelece três modalidades de internação psiquiátrica: voluntária (com consentimento), involuntária (sem consentimento, por solicitação de terceiro) e compulsória (por decisão judicial).

A internação involuntária distingue-se por não exigir autorização judicial prévia, mas impõe uma obrigação específica, que é ter indicação médica e também ter um responsável legal.

Quando é necessária a internação involuntária?

A internação involuntária é necessária quando recursos extra-hospitalares se esgotarem e houver transtorno mental grave (excluindo transtorno de personalidade antissocial) e risco iminente de:

  1. Agredir a si mesmo (chamado de “autoagressão”).
    • Exemplo: pessoa em surto psicótico e andando no meio da rua entre carros.
  2. Agredir os outros (chamado de “heteroagressão”).
    • Exemplo: pessoa em surto psicótico e agredindo familiares verbalmente ou fisicamente.
  3. Agredir a ordem pública ou se expor socialmente de forma degradante.
    • Exemplo: pessoa em surto psicótico e andando sem roupa pelas ruas / postando coisas incoerentes nas redes sociais / está na porta da casa de alguém proferindo xingamentos.
  4. Incapacidade grave de autocuidados.
    • Exemplo: pessoa depressiva se trancou em casa, está sem se alimentar e sem tomar banho há dias; pessoa portadora de esquizofrenia está com desidratação ou desnutrição (pode ser por maus tratos, mas pode ser devido ao quadro da pessoa).
  5. Grave síndrome de abstinência.
    • Exemplo: pessoa está usando álcool há 5 dias, se ela parar de beber agora terá alto risco de ter uma crise convulsiva; ou pessoa usuária de crack, que quando fica algumas horas sem crack tem grave alteração do comportamento por abstinência.
  6. Intoxicação intensa aguda por substância psicoativa.
    • Exemplo: surto psicótico após uso de cocaína ou de bebida alcoólica.

Existem também outros motivos que, embora não se enquadrem na modalidade involuntária de acordo com a lei, são fortes indicações de internação psiquiátrica:

  • Depressão + condição clínica debilitante.
    • Exemplo: pessoa deprimida que tem uma ferida de pele e recusa tratamento; pessoa deprimida que tem HIV e recusa tratamento.
  • Pensamentos suicidas bem estruturados, com ou sem tentativas de suicídio.
  • Transtorno mental grave (incluindo uso descontrolado de droga) + rede de suporte fragilizada (ausência de apoio familiar/social).
  • Potencial de dilapidação de patrimônio.
    • Exemplos: pessoa está perdendo grande quantidade de dinheiro em jogos de azar; pessoa sinaliza que vai passar um imóvel para o nome de outra pessoa e claramente está fora de si.
  • Ausência de crítica e de adesão ao tratamento ambulatorial.
    • Exemplo: pessoa tem transtorno bipolar descompensado, mas acha que está muito bem e recusa tratamento.
  • Desorganização psicótica grave.
    • Exemplo: pessoa parou de sair de casa por medo injustificado de ser atacada, não deixa mais cortar barba e cabelo, e passou a só comer comida que ela mesma faz por medo injustificado de envenenamento.
  • Estados catatônicos (ficar imóvel por horas/dias).

Passo 1: Avaliação inicial

Qualquer unidade de saúde pode iniciar o processo:

  • Onde: unidades de saúde, UPAs, hospitais ou visita domiciliar do CAPS
  • Quem: Equipe analisa histórico médico e comportamento atual
  • Documentos necessários:
    • Relatório detalhando as tentativas anteriores de tratamento
    • Assinatura de um médico e familiar responsável

Dica: Grave vídeos discretos do comportamento preocupante para mostrar aos profissionais (com consentimento sempre que possível).

O processo inicia com uma avaliação que confirme a incapacidade de o paciente consentir racionalmente devido ao transtorno mental. Não é obrigatório que seja um médico, mas é preciso que um médico esteja envolvido no processo.

Em emergências, serviços como CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) ou UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) podem realizar essa triagem. Em cidades pequenas que não possuam UPA, o médico plantonista do hospital ou, em último caso, qualquer profissional da Unidade de Saúde do território, podem fazer uma triagem inicial.

É possível levar o paciente até um serviço de saúde, que é a forma mais fácil e mais típica, mas também é possível pedir que o CAPS e/ou a Unidade de Saúde façam uma visita na casa para avaliar o paciente. Tanto a Unidade de Saúde quanto o CAPS podem fazer visita domiciliar.

O profissional avaliará se o paciente se encaixa em um dos Motivos para internamento psiquiátrico citados acima. Então escreverá um curto documento que servirá de base para a internação e posterior comunicação ao Ministério Público Estadual. Esse documento precisa ter:

  • Diagnóstico conforme CID-10 (se houver)
  • Descrição comportamental do risco atual
  • Falha de intervenções ambulatoriais
  • Expectativas terapêuticas da internação
  • Precisa ter identificação e assinatura dos profissionais envolvidos no processo, inclusive de um médico.

Também é essencial que esse profissional imprima o Termo de Internação Involuntária com os dados do paciente e do responsável legal, e colete a assinatura do responsável legal.

Passo 2: Definir a pessoa responsável legal

É exigido que haja uma pessoa responsável legal pelo internamento involuntário. Quem pode assumir esse papel:

  • Cônjuge, pais, irmãos adultos ou pessoa próxima indicada pela família

Direitos do responsável legal:

  • Acompanhar todo o tratamento.
  • Solicitar revisão da internação e até pedir antecipação da alta (a chamada “alta a pedido”). Nesse caso, o paciente receberá alta sem receitas médicas e deverá reiniciar o tratamento no CAPS ou Unidade de Saúde.
  • Receber orientações semanais da equipe do hospital e da equipe fora do hospital (unidade de saúde ou Caps).

Cuidado: Se o tratamento for pelo SUS, o responsável não pode ser cobrado por custos.

Responsabilidades do responsável legal:

  • Assinar o Termo de Internação Involuntária.
  • Visitar o paciente pelo menos uma vez por semana (ou garantir que outros familiares façam essa visita). Caso essas visitas não aconteçam, o hospital poderá comunicar ao Ministério Público de que houve abandono do responsável legal.
  • Atender a todas as ligações do hospital, e manter contato com a equipe do hospital semanalmente para conversar sobre a evolução do paciente.

Passo 3: Busca por vagas

  • Prazo Médio: 1-15 dias (casos urgentes têm prioridade)
  • Onde o paciente fica enquanto isso:
    • Em casa (com monitoramento familiar).
    • Se houver risco imediato, ele fica em observação no hospital local (em cidades menores) ou em UPA (em cidades maiores).
  • Acompanhamento diário: A equipe de saúde precisa manter contato diário com a família, portanto o responsável precisa atender o telefone.

O profissional precisa inserir o paciente no sistema da Central de Leitos de Regulação do Estado, e atualizar diariamente. Cada serviço, município e estado possuem seu próprio fluxo.

Passo 4: Durante o internamento

O que Esperar:

  • Avaliação diária por enfermeiros, semanal por médicos
  • Tratamento com medicamentos e terapias
  • Visitas monitoradas (normalmente de 1 a 3 vezes por semana)

Passo 5: Após a alta

Plano Essencial:

  1. Atendimentos e grupos semanais no CAPS por 3 a 6 meses (no mínimo)
  2. Acompanhamento com medicamentos controlados
  3. Adaptações em casa (ex.: remover objetos perigosos)

Sinais de Alerta para Nova Crise:

  • Abandono repentino da medicação
  • Mudanças bruscas no padrão de sono
  • Isolamento social repentino

Atualizado em 09/03/2025 por Leonardo V. Pinheiro

Precisa de ajuda?

Leia sobre mim e agende uma consulta.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *